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MISSIVA (in) ESPERADA I Carta de desamor ©️

Esta é a missiva que não esperarias receber. Que nunca esperarias receber. Porque há certas coisas que tomamos por tão seguras, tão nossas, que o seu contrário não faz parte do nosso universo de certezas adquiridas ! Porque é dum universo de certezas adquiridas que estou a falar. Ah, o teu coração ainda está a bater, leve, levemente ? Que bom, é preciso preparar tranquilamente o terreno para a semente germinar. Nada nasce, cresce ou se reproduz sem a devida preparação. Tu sabes tão bem como é preciso preparação ! Qual semente lançada à terra e pacientemente regada, acarinhada, vigiada e preservada de ervas daninhas. Conheces bem este “modus operandi”, eu sei, descobri a tempo como tu sabes trabalhar de forma tão magistral essa suprema arte. Por tudo isso e certamente algo mais que, porventura, à data em que escrevo não descortino, não antevês o motivo destas linhas, afinal de contas, para ti, eu nunca teria um motivo. Sempre foi tudo tão à tua maneira, tão ao teu jeito brando de compor, alinhavar, tecer ou reproduzir uma certa realidade ! Aquela realidade que se foi construindo como boa, verdadeira, única e indesmentível. Em boa verdade, ainda me perguntei se esta missiva faria sentido. Mas, sabes, o meu coração, a certa altura, ao contrário de começar a bater leve, levemente, como estará ainda a acontecer contigo, disparou qual petardo inesperadamente lançado ao centro de uma qualquer inocência. Um petardo, tu sabes, tanto pode pôr fim a algo bom como a algo mau. Este, digamos que conduz à queda de uma certa “Pompeia”, por ti encarnada é claro, tu e a tua grandiloquência, o teu sentido manipulador, a tua arte de destruir terceiros para te constituíres herói, a tua suprema astúcia para iludir, lograr e armar ciladas contra inocentes que finges acolher em teu coração. Eu, no rol. Eu, muito especialmente e acima de qualquer outro, no rol. Ah, adivinho que o teu coração começá agora a bater descompassado, já antecipas a notícia que te trago. E agora que quase desfaleces, começa o meu coração a bater tão levemente. Tão, mas tão, aliviado !

Considera-me o teu Vesúvio. Trago-te a aniquilação do teu “sonho”. Dei conta em tempo e esse, o tempo, é sempre certo para fazer o que está certo. E o que está certo é dizer-te que não, não vou assinar o despacho da tua nomeação (aquele que tão diligentemente escreveste) para o tão ambicionado cargo que te ia conferir o almejado “status” para o qual, durante todo este meu e teu mandatos, tanto e tão só trabalhaste. Destruindo outros com abraços macios, espezinhando com meia branca em sapatilha de dançarino, coreógrafo e dançarino a um tempo, brandas falas, fétidos hálitos, tu e a tua aura tão bela quanto perversa. Voltarás ao que eras não ao que almejarias ser. A missão de um Líder também passa pela sua clarividência. A minha, no caso vertente, quase se perdia, quase a destruías, quase !  Sê feliz nas cinzas em que te tornarás e guarda-me, para sempre na tua memória.

 

Vesúvio.

©️ Helena Cavacas Veríssimo

2º Prémio Curso Escrita Criativa I Âmbito Cultural El Corte Inglês

Outubro 2018

Arte: "O último dia de Pompeia", Karl Briullov



                                                               

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